A Articulação do Semiárido
Paraibano (ASA Paraíba) realizou entre os dias 14 e 16 de outubro, a VI edição
da “Festa Estadual das Sementes da Paixão”, que teve como lema: “Agricultura
Familiar: guardiã da sociobiodiversidade, pela soberania alimentar, livre de
transgênicos e agrotóxicos”. Os dois primeiros dias de evento foram realizados
no Santuário de Padre Ibiapina, entre as cidades de Solânea e Arara-PB, na
região do Polo da Borborema. Esta parte da programação foi dedicada à formação
e reuniu mais de 350 agricultores e agricultoras das sete microrregiões da
Paraíba onde a ASA-Paraíba está presente. Já o terceiro e último dia aconteceu
em Campina Grande, com uma Feira Estadual de Sementes no centro da cidade. A
ASA Paraíba é uma rede de mais 300 organizações que trabalham pelo
fortalecimento da agricultura familiar de base agroecológica. Ela está ligada à
Articulação Nacional do Semiárido (ASA Brasil) e as ASAs dos outros oito
estados do Semiárido Brasileiro.
Mesas de diálogo - No período da
tarde, duas mesas de diálogo trouxeram, primeiro uma reflexão sobre as
conquistas e os acúmulos dos últimos 20 anos de trabalho pela preservação e
pelo fortalecimento das Sementes da Paixão no Estado e em todo o Semiárido, com
depoimentos de guardiões e guardiãs e de lideranças agricultoras. Já a segunda
mesa trouxe um panorama sobre a conjuntura atual das políticas públicas para as
sementes e também as suas ameaças ou desafios. A agricultora e liderança do
Polo a Borborema, Roselita Vitor, do Assentamento Queimadas, em Remígio-PB
destacou o papel das famílias guardiãs para a humanidade: “Se os guardiões não
existissem, a gente não teria o que comer, sem as sementes crioulas, a gente
não vive, elas são a autonomia das famílias, garantia de saúde. A nossa luta é
de resistência, devemos essa luta as agricultoras e agricultores. Se a gente
não tivesse a experiência prática das Sementes das Paixão, nós não teríamos
condições de enfrentar o modelo do agronegócio”, afirmou.
Gabriel Fernandes da AS-PTA
debateu a conjuntura atual e ressaltou a importância da instituição de uma
Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo), que pela
primeira vez apontou a agroecologia e a agricultura familiar como um caminho
viável para o desenvolvimento do país, fruto de uma luta histórica dos
movimentos sociais como a ASA. Gabriel também ressaltou as contradições do
governo que institucionalizou a agroecologia e ao mesmo tempo deu força para os
transgênicos e aumentou os investimentos para o agronegócio.
O primeiro dia foi encerrado com
um cine debate sobre a democratização da comunicação, com a exibição do vídeo
“Levante sua voz”, do Coletivo de Comunicação Social Intervozes, e também se coletou
assinaturas para o Projeto de Lei da Mídia Democrática.
Oficinas temáticas – No segundo
dia de formação, os participantes se dividiram em sete oficinas sobre os
seguintes temas: Gestão, Organização e Armazenamento das sementes nos Bancos de
Sementes Comunitários (BSC); Integrando as sementes florestais e frutíferas nos
BSC; Produção, Seleção das Sementes; Sementes dos animais; Produção das
sementes de hortaliças; Beneficiamento de frutas nativas e adaptadas e Bancos
de Germoplasma.
Cada oficina contou com a
apresentação de uma experiência local e uma experiência vinda de outros
territórios, a exemplo da Oficina “Integrando as sementes florestais e
frutíferas nos BSC”. Com o objetivo de socializar conhecimentos de manejo,
plantio, colheita, armazenamento das sementes florestais e frutíferas, foram
apresentadas as experiências dos jovens coletores de sementes florestais da
região do Polo da Borborema, na Paraíba e dos integrantes do Povo Xucurus do
Ororubá do estado de Pernambuco.
Carta Política – Na tarde do
segundo dia, dois jovens fizeram a leitura da carta política da VI Festa das
Sementes da Paixão. O documento trouxe as principais reivindicações e
conquistas ao longo do processo de trabalho da ASA Paraíba em torno da
preservação e conservação das sementes crioulas. Segundo a carta “esse
patrimônio inalienável constitui um bem comum, indispensável para a convivência
com o Semiárido em bases agroecológicas para a garantia da soberania e
segurança alimentar e nutricional e para enfrentar as mudanças climáticas”.
A carta também faz uma
referência à Semana Mundial da Alimentação, período em que aconteceu a festa:
“Na semana em que é celebrado o dia mundial da alimentação, juntamos nossas
forças ao Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar) em defesa da comida
de verdade no campo e na cidade”, continua o documento. A carta se posicionou
ainda contra os ataques à democracia na conjuntura atual: “Nos manifestamos
contra qualquer ameaça à democracia e a retirada de direitos duramente
conquistados. Reafirmamos a necessidade de continuarmos ativos e vigilantes,
mantendo a disposição para lutar em defesa dos princípios democráticos e pela
agroecologia”.
Após esse momento, uma mesa de
diálogo reuniu representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), da
Secretaria de Estado da Agricultura Familiar e do Desenvolvimento do Semiárido
da Paraíba, do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) e da Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
O Secretário de Agricultura
Familiar da Paraíba, Lenildo Morais, anunciou iniciativas que a sua pasta está
desenvolvendo no campo da agricultura familiar a exemplo da conclusão da cessão
do espaço do Banco Mãe de Sementes de Lagoa Seca ao Polo da Borborema, dinâmica
integrante da ASA Paraíba, onde deverá funcionar uma mini fábrica de cuscuz
orgânico e livre de transgênico, com recursos do Projeto Cooperar. Também anunciou
a implementação de 2 mil barragens subterrâneas no Cariri do Estado.
O gestor destacou ainda o
Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) voltado para Sementes de 2016, com um
projeto com orçamento de 1,5 milhão de reais: “A prioridade deste projeto é fortalecer
os bancos-mãe de sementes do estado da Paraíba. Pela primeira vez vamos
adquirir sementes de fava, de arroz vermelho do Vale do Piancó. Queremos fazer
com que as sementes de feijão e de milho que vocês produzem possam ser também
adquiridas. Estamos concluindo o nosso projeto de produção de sementes e mudas
crioulas para o próximo ano. O Governador não quer mais comprar sementes como
as que vinham sendo compradas. A ideia é viabilizar um programa de sementes e
de mudas que possam beneficiar os agricultores e agricultoras da Paraíba. Esse
é o nosso compromisso, a ASA é quem vai estar conosco no dia a dia da condução
desse processo”, finalizou.
Naidson Baptista Quintela da
Articulação Semiárido Brasileiro (ASA Brasil) e também representante do Consea
em sua fala destacou o protagonismo da Paraíba no trabalho com as sementes da
Paixão e os avanços dessa trajetória, entre eles o apoio dos programas de
cisternas às casas de sementes e a criação do Programa Sementes do Semiárido:
“É o exercício da política e da prática do estoque de água de consumo e de
produção, de comida para os animais e de sementes de grãos e de animais que tem
permitido ao povo viver bem no Semiárido nos momentos difíceis. Vocês sempre
fizeram isso na Paraíba, é o que fazem, é o que celebram, vejam que isto aqui
não é um encontro, é uma festa. Celebrar conquistas e se comprometer com o
futuro”, disse. Naidson destacou ainda a pesquisa com 10 variedades de milho
feita na Paraíba em parceria com a Embrapa Tabuleiros Costeiros que mostrou que
as sementes dos agricultores apresentaram um resultado igual ou superior ao das
variedades comerciais.
Após as falas e uma rodada de
debate, Emanoel Dias, assessor técnico da AS-PTA e da rede de sementes da ASA
Paraíba fez a entrega de uma carta destinada à Companhia Nacional de
Abastecimento (Conab), assinada por todos os presentes à plenária. Na carta
fez-se a denúncia de que o milho que a companhia vende a preços subsidiados
para servir de alimento para os animais na Paraíba é transgênico. A comprovação
veio depois que um teste rápido de transgenia foi feito com resultado positivo
e em seguida as amostras foram enviadas a um laboratório nacional, que emitiu
um laudo oficial comprovando a presença de transgênicos. A carta e o laudo
foram entregues a Gustavo Guimarães, representante da Conab no evento. Segundo
informação da própria companhia, apenas no ano de 2013, mais de 33 mil
toneladas desses grãos foram comercializados na Paraíba. No Nordeste foram mais
400 toneladas no mesmo período.
Atos em Campina Grande - O
terceiro e último dia da festa agricultoras e agricultores da Paraíba promoveram
três atos simultâneos em defesa das sementes da paixão. Na Embrapa Algodão,
exigiram pesquisas adaptadas à realidade da agricultura familiar e da agroecologia.
Na Conab, pediram o fim da distribuição de milho transgênico, em uma empresa de
cuscuz, alertaram à população sobre a necessidade de sabermos o que estamos
comendo, com a permanência da rotulagem dos transgênicos. Após os três atos,
foi aberta, na Praça Clementino Procópio, no Centro de Campina Grande, a Feira Estadual
das Sementes da Paixão, que contou com a participação de mais de mil pessoas,
vindas de todas as regiões do estado.
Representantes da Articulação do
Semiárido Paraibano falaram sobre a importância da feira e das sementes da
paixão para o povo do semiárido. “Agricultores e Agricultoras de todo o
semiárido brasileiro estiveram reunidos durante esses três dias discutindo suas
conquistas e levantando os desafios para continuar a luta, a favor de uma
comida livre de transgênicos e agrotóxicos, livre da dominação e exploração das
mulheres, uma garantia através das sementes da paixão”, disse Madalena Medeiros
da Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA Paraíba). A coordenadora da ASA Paraíba,
Maria da Glória Batista também falou sobre o papel que as políticas públicas de
conivência com o semiárido têm desempenhado para a o fortalecimento da
segurança e soberania alimentar.
Além da troca de sementes os
agricultores e agricultoras também comercializaram seus produtos, entre eles as
mudas de plantas medicinais, artesanatos, frutas, verduras, legumes, bolos,
canjicas, doces, iogurtes e tapiocas. O grupo de mulheres do Assentamento
Socorro, da cidade de Areia, produz bolos, doces e brigadeiros, todos feitos
com banana, mas a novidade produzida pelo grupo “Doces Socorro” é a banana
chips, um salgado feito com banana verde e sal. “Começamos a fazer depois de um
curso lá na comunidade, ele tem o sabor de um salgado de batata e as pessoas
gostam muito”, afirmou a integrante Josefa Teixeira. Na feira houve espaço
ainda para testes rápidos de transgenia, com distribuição de certificados de
“Livre de Transgênicos” para os guardiões que levaram as suas sementes para
serem testadas.
A feira foi encerrada com uma
benção inter-religiosa com representantes de praticantes de diversas religiões.
A água, as sementes, a terra e a palma foram alguns elementos utilizados na
benção para simbolizar a importância das sementes da paixão para as diversas
comunidades, elementos que são essenciais para que a semente cresça e germine,
garantindo alimento saudáveis as famílias agricultoras.
ASCOM ASA Paraiba
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